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16 de Maio de 2015  –  atualizado em 03 de Junho de 2015

 – por Rodrigo Caravita

IPAs nacionais ou falta de criatividade?

Mais um tema polêmico. Vamos lá. Primeiramente é bom deixar claro uma coisa: eu adoro India Pale Ale (IPA). Adoro cerveja amarga. Adoro lúpulo. Mas, basta olhar o mercado nacional para ver como este estilo tem dominado as prateleiras e as lojas especializadas. IPA, Black IPA, Imperial IPA, American IPA e por aí vai.

Pra começar, um pouco de história sobre o estilo e sobre este boom do mercado nacional, que, no fundo, é apenas reflexo do boom do mercado estado unidense (Brasil, como sempre se mirando nos EUA como modelo – tenho minhas críticas, em vários sentidos, que não cabem aqui agora).

A história do estilo eu vou contar baseado no que sei de leituras em vários locais, mas principalmente baseado no excelente livro do Michael Jackson , não o cantor, obviamente. Que infelizmente já faleceu também.

Ele diz assim: “o rajá britânico na Índia precisava de um suprimento regular de cerveja. De que outra forma poderia governar o maior império do mundo?” A cerveja britânica viajava para a Índia de navio, e se degradava facilmente na viagem. Já se tinha descoberto a propriedade do lúpulo de conservar a cerveja. A solução encontrada foi fazer uma cerveja um pouco mais densa e carregada no lúpulo que as Pale Ales tradicionais inglesas. Surgiu assim a India Pale Ale. Mas ela não foi uma cerveja muito apreciada na Inglaterra, e depois desta época a maioria das IPAs ou pararam de ser produzidas ou então ficaram muito parecidas às ESB (Extra Special Bitter) inglesas – a clássica Pale Ale inglesa. Segundo o guia da BJCP, que eu já coloquei aqui, a ESB é classificada como Strong Bitter e possui IBU (a unidade de medida de amargor) entre 30-50. Uma English IPA teria amargor entre 40-60 e uma American IPA entre 40-70.

Atualização: tem uma história bem mais completa aqui neste link, embora “pesquisadores” tenham questionado algumas coisas atualmente, como por exemplo a história de que ela tenha sido desenvolvida especialmente para esta viagem até a Índia.

A IPA foi um estilo ressuscitado pela Revolução Cervejeira Americana. Depois da lei seca dos EUA, lá em 1920, poucas cervejarias restaram no país. Depois veio a guerra, depois veio a crise. Foi só lá por volta de 1980, na Califórnia, que pequenos produtores começaram a aparecer e a, baseados em estilos europeus de cerveja, fabricarem cervejas nacionais e a fazerem releituras e invenções. O país, por uma conjunção de fatores, também se tornou um dos maiores produtores de lúpulo do mundo. E bom, lúpulo frescos, variados, as pessoas empolgadas em fazer cerveja, experimentar: boom. Aquilo explodiu com tal força que os EUA, hoje, possuem mais microcervejarias que a Alemanha (mais de duas mil). E os americanos começaram então a fabricar as IPAs mais lupuladas que ninguém nunca tinha feito antes.

As IPAs chegam ao Brasil

Durante muito tempo discutia-se por aqui qual seria a melhor IPA nacional. A Colorado Indica ou então a Estra Real. Lembro de poucas outras opções. Isso em 2005, 2006. Mas lá por 2010, 2011, a coisa já tinha mudado bastante: muitas cervejas americanas começavam a ser importadas, o mercado estava em plena ascensão. Lembro com saudades das Flying Dog, facilmente encontradas por aqui. Obviamente, muitas IPAs e American IPAs, especialmente, começaram a circular por aqui.

Veja por exemplo que o caso de amor dos norte-americanos com as IPA não é tão antigo assim. Este post aqui é de 2011, sobre um festival de cerveja em Vancouver.

Justamente na época que muitas microcervejarias nasciam no Brasil. Esta mistura explosiva, combinado pelo gosto do público pelo estilo, fez com que, simplesmente, praticamente toda cervejaria incluísse ao menos um estilo de IPA (e estilos correlatos) nas cervejas de linha. Surgiram as variações nacionais investindo na correlação do lúpulo Amarillo (muito usado nos EUA) com o Maracujá e muitas outras.

Para se ter uma ideia, uma das mais criativas microcervejarias nacionais na atualidade, a Tupiniquim, possui ao menos 4 estilos de IPA (uma delas é uma Black IPA, ok, a que mais difere). Obviamente, o lúpulo é um dos principais componentes da cerveja, responsável tanto pelo amargor como pelo aroma, e existe uma variedade tremenda de lúpulos e de forma de utilizá-lo. Mas, a minha pergunta é a seguinte: até em que medida esta empolgação com um estilo e com o amargor excessivo não tem limitado a inovação?

Mesmo a “revolução” nos EUA não ficou presa a apenas este estilo. Lá existem muitos estilos e muitos ingredientes diferentes que tem sido utilizados na fabricação da cerveja. Ingredientes clássicos americanos, como a abóbora utilizada nas Punpkin Ales. Métodos de produção defumados nas cervejarias do Alaska, principalmente. E aqui, quanto de ingredientes nacionais/nativos conseguimos utilizar nas cervejas? A Colorado é uma cervejaria que busca utilizar ingredientes nacionais nas cervejas. Ou a Amazon Beer. Há muitas outras cervejarias seguindo o mesmo caminho. Mas enquanto ficarmos tentando imitar estilos e ideias estado unidenses creio que ficaremos mais restritos e menos inventivos.

O lúpulo

Um adendo sobre o uso do lúpulo nas cervejas também se faz necessário. O que sinto, muitas vezes nas cervejas nacionais que querem ser muito lupuladas, é um certo desequilíbrio. Já tomei muitas cervejas extremamente lupuladas, como a Double Dog da Flying Dog, ou então a Hardcore IPA da Brewdog, entre outras.

Mas boa parte destas cervejarias tem utilizado lúpulo fresco em sua fabricação. Aqui a tendência é apenas utilizar o lúpulo seco e “empacotado”, os “pellets” de lúpulo. Falei sobre eles neste post aqui também. O que acontece, pelo que pude perceber, é que se perde uma certa complexidade de aromas e sabores neste processo. Infelizmente não temos uma grande produção de lúpulo no Brasil – na verdade, apenas recentemente (2014) uma variedade de lúpulo conseguiu ser cultivada com sucesso no Brasil, em São Bento do Sapucaí.

Fala-se que o paladar humano não consegue identificar um amargor maior do que 80-100 IBU. Não sei até que ponto isso é verdade, porque paladar pode ser educado, e também o amargor na cerveja vem combinado com outros fatores. Mas, de qualquer forma, há um limite. Por que então, a não ser pelo marketing, produzir cervejas de 120, 150, 500, 1000 IBU?

Recentemente fiz uma experiência interessante, apenas pelo gosto. Fiz um chá de boldo chileno seco, boldo aqui do jardim de casa e lúpulo. Bastante boldo, bastante lúpulo. Deixei fervendo por uns bons 10 minutos. Ficou muito amargo. Mais amargo que qualquer IPA que eu já tomei. Foi difícil de tomar, mesmo eu gostando muito do sabor amargo.

Adoro mate, mate argentino, bem amargo. Enfim, há uma boa dose de ingredientes oriundos desta banda, que não apenas o lúpulo, que poderiam ser experimentados mais a fundo pelas cervejarias. E, mesmo o lúpulo, buscar utilizar lúpulos frescos, investir em produtores locais para desenvolvermos e adaptarmos variedades nacionais de lúpulo (afinal, a revolução nos EUA está intrinsecamente relacionada com o cultivo nacional de diversas variedades de lúpulo).

Outros estilos

Certamente há uma porção de outros estilos e uma porção de gente investindo em coisas diferentes. Recentemente vi uma Stout com Pitanga (fruta bem nacional). Evidentemente, também existe a PitanguIPA. Outro exemplo é a Way Amburana Lager, da cervejaria paranaense Way Beer. A Colorado também tem a Berthô (chamada inicialmente de Grão Pará), uma cerveja feita com castanhas do Pará. A Wals estava pra lançar (não sei se já lançaram) uma linha de cervejas envelhecidas em diferentes tipos de madeira. Acabei de ler aqui que a Tupiniquim também espera lançar cervejas nesta mesma linha.

Agora, há uma diversidade de estilos de cerveja que são ignorados pelas cervejarias nacionais. Entendo, obviamente, a questão de mercado: as pessoas querem tomar IPA, é o estilo da moda, é o que vende – e então investe-se nisso. Por outro lado, as pessoas vão tomar aquilo que estiver disponível, caso não sejam apresentadas a estilos novos, a inovações, outros estilos e novidades nunca poderão cair no gosto do público. Um problema do ovo e da galinha.

Não temos muitos exemplares de Bohemian Pilsner nacionais, menos ainda de Kolsch ou Altbier, Rauchbier, Doppelbock, Weizenbock, Dunkel, Sour Beers, Berliner Weisse, Lambic, Flanders Red Ale. Entre tantos outros e tantas possibilidades em aberto.

Pra terminar, esta notícia é animadora, embora ainda espere Sour “de verdade” por estas bandas, sem adição de frutas, já se pode notar que algumas cervejarias estão abertas e buscando inovar em alguns novos estilos.


E, pra não falarem que sou chato e implicante, ou então que não aprecio IPAS, fica aqui o convite desta que já se tornou uma das maiores festas do calendário cervejeiro nacional. Vale muito a pena!