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16 de Maio de 2015  –  atualizado em 17 de Março de 2020

 – por Rodrigo Caravita

Cervejas artesanais ou cervejas especiais?

Escrevi tudo aqui escutando esta excelente lista: uma pequena homenagem ao Rei do Blues que morreu ontem. Descanse em paz B.B. King.

Posso estar entrando num discussão sem fim aqui neste post, mas é mais do que necessário deixar expressa a minha posição sobre o assunto, já que o site trata justamente deste universo. E bom, é isso, é apenas a minha opinião e sei que muitos vão pensar de forma diferente. Que bom!

Stricto sensu, se pensarmos na definição de algo artesanal, a diferenciação pode ser bem simples: é algo que não segue um padrão industrial de produção. Oriundo dos termos artesão e artesanato – é algo feito de forma manual, caseira, sem grandes sofisticações tecnológicas e industriais.

Bom, mas, necessariamente algo artesanal é melhor do que algo industrial (mantendo esta divisão grosseira)? Não. Vou me limitar ao universo da cerveja aqui. Se pensarmos em boa parte de grandes marcas, elas seguem padrões industriais e com altíssimas tecnologias, muitas vezes. Vamos pegar o caso da Pilsner Urquell – os “criadores” do estilo Pilsner. Hoje em dia ela é fabricada por um grande grupo cervejeiro, distribuída aos montes ao redor do mundo. Evidentemente sua fabricação não é artesanal. Agora, muito provavelmente, qualquer pessoa que está começando a fazer cervejas em casa, não conseguirá atingir (talvez após muitas tentativas) o padrão de qualidade desta cerveja. Digo isto porque o estilo Pilsner, e as cervejas tipo Lager, não são cervejas simples de serem feitas. Não é uma receita de bolo tão simples.

Grosso modo, a maioria das cervejas encontradas hoje no mercado não podem ser chamadas de artesanais. A nova legislação que busca enquadrar as várias micro cervejarias que tem surgido no Brasil nos últimos anos vem dado o que falar no meio cervejeiro. Basicamente busca-se diferenciar uma cerveja artesanal de duas formas, pela legislação. Pela quantidade de litros produzidos pela cervejaria e pela quantidade de cereais maltados utilizados na composição da cerveja.

Sabe-se que, para baratear o processo, muitas grandes cervejariais no Brasil utilizam cereais não maltados na composição, principalmente milho e também arroz. Daí surgiu o termo, cerveja puro malte, pra diferenciar cervejas que utilizam apenas cereais maltados. Um cereal maltado, basicamente, é um cereal que começou o processo de germinação e depois foi seco e tostado (em geral). Em geral é utilizada a cevada maltada, mas também é possível utilizar trigo maltado, centeio maltado. Acontece que muitas boas cervejas podem utilizar cereais não maltados em sua composição para atingir um ou outro resultado diferente. Leia mais sobre os o assunto aqui.

Se não me engano, a nova lei exige pelo menos 75% de cereais maltados para que a cerveja possa ser enquadrada como cerveja especial/artesanal e então pagar menos impostos. Acontece que existem muitas micro cervejarias inventando novos estilos, fabricando cervejas ácidas misturadas com frutas, e provavelmente esta porcentagem vai ser um fator limitante.

Cervejas Nacionais Pequena parte da parte de cervejas nacionais na Mamãe Bebidas em BH

Mas como diferenciar?

A pergunta que fica então é: como diferenciar uma cerveja especial/artesanal de uma cerveja comum? Ou, existe diferença? Obviamente, existem diferenças. Não é porque estas cervejas são fabricadas de forma industrial que não podem ser chamadas de “artesanais”, ao menos simbolicamente. Como eu já disse aqui, um dos principais motivos que me levaram a buscar estes tipos de cerveja é a não utilização de adjuntos químicos de conservação.

As cervejas mas comuns (Skol, Bohemia etc.), para aumentar a vida útil da cerveja (e também porque elas não utilizam muito lúpulo em sua composição, já que o lúpulo cumpriria em parte este papel) utilizam conservantes em sua composição. Em geral, uma boa cerveja (vou utilizar este termo agora para diferencias as cervejas chamadas artesanais), utiliza apenas água, malte, leveduras e lúpulo (e alguns condimentos, como coentro, casca de laranja, nibs de cacau, açúcares variados).

Outro fator diferencial a ser levado em consideração é a forma de produção da cerveja, que tem a ver com o volume produzido, mas não apenas. Em geral, uma cerveja do tipo Lager não é produzida em menos de 20 dias, e uma Ale em pelo menos 10 dias. Estes tempos podem variar, obviamente, e, para as Lagers, o tempo de guarda (lagering) pode ser bastante elevado inclusive. Há também uma profusão de cervejas Ales que são guardadas por 6 meses, 1 ano, em barris de carvalho e sofrem processos de envelhecimento semelhante aos do vinho.

Enfim, tudo isto pra dizer que uma cerveja mais comercial e comum, em geral, destas grandes marcas, são produzidas em cerca de 4 dias. Os processos de fermentação são altamente acelerados e o lagering é praticamente inexistente (são utilizados outros processos para clarificar e “purificar” a cerveja lager).

Cerveja premium, cerveja gourmet, processos de produção

Dito tudo isto, para mim, uma cerveja boa se diferencia de outras basicamente por um ponto: por tentar respeitar antigos modos de se produzir cerveja, tendo como meta, antes do lucro, a qualidade. Ou, segundo o lema da Brewdog : “beer like it used to be, beer like it should be, beer like will be”.

Surgiu então, no meio de tudo isso, e pegando carona nesta explosão cervejeira que “assola” o mundo atualmente, um mercado altamente rentável. Muitas das grandes cervejarias começaram a comprar micros cervejarias, ou então a se dedicar a fazer cervejas mais “especiais”. Surge então o termo cerveja premium, e, pelo menos no Brasil, na minha visão, muitas pessoas do mercado começaram a realizar uma “gourmetização” da cerveja. Acontece que a educação do paladar no Brasil, principalmente de uma dita classe média emergente, e de novos ricos (sim, estou sendo preconceituoso), é péssima. As pessoas tendem a julgar a qualidade de um produto pelo preço ou então pela cara/apresentação. Brasil, terra de oportunidades, afinal.

E aqui, separar o joio do trigo se torna uma tarefa ingrata. Obviamente, um produto de maior qualidade tende a ser mais caro que um de menor qualidade – para ficar restrito ao caso da cerveja, os custos de matéria prima e de processos de produção justificam isso. Mas, não necessariamente, um produto caro vai ser bom. Temos, recentemente o caso do vinho Toro Loco. Por isso são tão importante os testes cegos, a educação do paladar, saber exatamente o que esperar de um tipo/estilo de cerveja ou não, para poder julgar corretamente (sic). Já falei sobre isso aqui também.


Bom, espero que tenha conseguido explicar de forma sucinta um pouco do que eu penso sobre cervejas. Os assuntos aqui levantados vão aparecer em muitos posts e eu sei que é uma discussão sem fim. Mas deixo aqui marcada a minha opinião (pelo menos no momento).